Medo – 1

– Borboletas?
– Sim.
– Você tem medo de borboletas?
– Sim.
– …
Continuo andando. Estou acostumada com esta expressão entre surpresa/divertida/incrédula.
– Mas, por que? Um bicho tão bonito…
– Não disse que borboletas são feias. A menos, é claro, que você olhe de perto. Porque, de perto, vamos combinar que todo inseto é horroroso. Borboletas são bonitas e importantes pra natureza. Mas lá no canto delas e eu aqui no meu.
– Mas, você só tem medo de borboletas? Ou de mariposas também?
– Deusmelivrecrédincruis! Mariposas são borboletas do mal. Mariposas são borboletas que se alimentaram de sangue humano depois da meia noite. Aquelas grandonas e peludas que tem “olhos nas asas” e que ficam grudadas na parede então…. Arghhhh.
Só de pensar me dá calafrios.
– Hahahaha, sua exagerada. Até parece! Ruim mesmo é barata. Fala sério: você tem mais medo de barata que de borboleta, não é?
– Não. De barata eu tenho nojo, horror, aversão. É um bicho sujo e asqueroso. Já borboleta não: é só medo puro mesmo. Reconheço que borboletas são bonitas, que não fazem mal a ninguém, não transmitem doenças… mas não quero aproximação. Como eu disse: elas lá e eu cá.
– Cobra. Você tem mais medo de cobra que de borboleta, aposto.
– Cobras são venenosas, então não é questão de ter medo ou não. É questão de bom senso. Agora, se a cobra não for venenosa, não tenho medo. Já borboleta, não quero diálogo mesmo.
– Então…. Você tem mais medo de cobra do que de borboleta? É isso mesmo? Confere?
– Olha, é assim. Barata, cobra, tigre, escorpião, tubarão… são animais ou perigosos ou peçonhentos e oferecem um risco real. Sim, tenho medo deles. Mas é um medo justificado. Já borboletas não. Tenho medo, mas não tenho como justificá-lo. É um medo primal, inexplicável. Talvez Freud explique. Talvez possa se dizer que não gosto de borboletas porque seu comportamento é aleatório, errático, impossível de antecipar. Uma borboleta pode voar pra longe, ou se aproximar, ou pousar diretamente no seu nariz. Não dá pra prever. E talvez isto contrarie minha necessidade de controle e eu traduza este sentimento internamente como “medo” porque é uma sensação mais fácil de nomear. Mas, na boa, não quero nem saber. Só quero as borboletas a uma distância segura da minha pessoa.
– Se uma borboleta entrar na sua casa…
– Eu saio.
– Você não mata?
– Não, eu saio. Quem vai tirar o cadáver da borboleta de lá depois e limpar aquela gosma branca? Eu hein?
– Não creio.
– Ou saio, ou peço pra alguém tirá-la de lá.
– E se não tiver ninguém?
– Fecho a porta do cômodo em que ela está, tranco a chave e espero alguém chegar.
– Enquanto isso…
– Enquanto isso ela tem um cômodo, eu tenho o resto casa, eu tenho mais territórios que ela, então ainda estou ganhando.
– Pegar uma toalha e ir espantando a borboleta pra uma janela está fora de cogitação?
Respiro fundo. É chegada a hora da revelação na qual ninguém jamais acredita.
– Borboletas me atacam.
– Uóti???? Hahahaha!!!!
– Pára de rir, criatura! É sério. As borboletas sempre vêm pra cima de mim. Elas estão lá, voando pra lá e pra cá daquele jeito irritante delas. É só eu aparecer que elas largam o que estiverem fazendo e vêm pra cima de mim! Pára de rir que é serio!!!! Ah, droga, ninguém acredita nisso.
– Péra, péra que minha barriga está doendo de rir, péra….. Hahahaha. As borboletas atacam você? Com o que? Aquelas garras enormes? Os dentes afiados? Hahahaha!!!!
– As borboletas me atacam sim. Elas são como predadores, que sentem o cheiro do medo. Elas se alimentam do medo. Pára de rir! Ah, não dá pra conversar com você.
– Desculpe. Mas é que ter medo de borboleta é ridículo.
Fico quieta. Fazer o que? É verdade.
– Medo de borboleta… só você mesmo!
– Mas…
– O que?
– Nicole Kidman também tem medo de borboleta.


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